Na leitura do último episódio, vimos umas características negativas da personalidade de Brás. Por exemplo, ele percebe que o amigo Luís Dutra, precisa de uma opinião sobre os textos literários que escreve. Só por maldade, e talvez também por inveja, porque o Brás julga que o amigo escreve melhor que ele, Brás não faz nenhum comentário, foge do assunto.
Quando é pra se mostrar amigo do Lobo Neves, por outro lado, o marido da Virgília, ele dá força, porque aí é conveniente pro Brás se mostrar amigo.
Lembra daquelas questões iniciais, com as quais a gente começou a leitura, se o Brás seria alguém especial pra estar, depois de morto, escrevendo suas memórias? Pois do que vimos da leitura até agora, Brás é um tipo medíocre, sem nenhuma característica que mereça ser imortalizada.
Nós temos visto ao longo das leituras que o narrador comumente fala com o provável leitor, ou leitora de seu romance. E que isso é uma característica do Machado. Esse narrador também fala da construção do texto, se referindo ao um parágrafo que não quer que fique muito longo, ou do tipo de narrativa que está construindo... quando a linguagem é utilizada pra falar da própria linguagem, usamos o termo “metalinguagem”. E quando o autor utiliza metalinguagem, parece que está nos arrancando de dentro da trama e chamando nossa atenção para o fato de que isso que estamos lendo é um produto linguístico, é obra de arte resultante de trabalho com as palavras, pra que um leitor desavisado não se esqueça de que se trata de trabalho artístico e não documento sobre o real, por exemplo. Ao fazer referência a como quer que este romance fique estruturado, o autor chama atenção para o fato de que tudo no romance é resultado de escolhas dele, autor. E de que estamos lendo sobre uma vida fictícia, em que cada detalhe, os defeitos de caráter, a cor da pele, a família, o sobrenome, tudo foi pensado e decidido de ser apresentado desse jeito pelo autor. Ao nos puxar assim pra fora da narrativa, pra nos mostrar os andaimes, os alicerces da construção do texto, me parece que o autor quer com isso evidenciar que a temática tratada no texto também não está ali por acaso, mas foi escolha do autor para que nós, leitores, lêssemos sobre tais aspectos, que têm a sua contrapartida na vida real, e refletíssemos sobre eles. Em Memórias póstumas, alguns desses temas escolhidos, decididos de estar no romance são as questões de diferença social, da escravidão, e de como possivelmente era a entrada pra vida política de alguns homens que se decidiam por essa profissão. O Brás, por exemplo, vamos ver na leitura de hoje que decide ser ministro, mas não que ele tenha um objetivo. Pra ele, entrar pra vida pública é mais uma etapa na escalada social esperada pra alguém como ele, que tem dinheiro, estudou na Europa, vive de rendas, é homem no final do século XIX. Pra ele é mais um degrau óbvio entre as coisas bacanas que acontecem na vida dele.