Abrir a Cortina de Ferro numa viagem de bicicleta

Views 50

A ideia é atravessar a Europa de bicicleta. Mais precisamente, fazer o percurso que acompanha os vestígios da Cortina de Ferro, a linha que separava o leste e o oeste num continente europeu em antagonismo. Há 25 anos, o regime totalitário da União Soviética colapsava. Mas os conflitos recentes, sobretudo na Ucrânia, despertaram novamente o debate sobre o imperialismo russo.

Começamos pela Estónia. A nossa primeira paragem é em Hara, onde se situava uma base de submarinos soviéticos. Hoje em dia, é um local privilegiado para a pesca. Os receios do passado não parecem ter grande eco aqui. Um habitante local afirma não acreditar “que a Guerra Fria possa regressar. A Rússia já não é o Império Soviético. Apesar de o Partido Comunista continuar a existir, já não detém o poder. Atualmente é outro partido que governa…”. No entanto, a sucessão recente de episódios de tensão entre Moscovo e os países da NATO é um facto e gera preocupações.

O percurso da Cortina de Ferro consiste em cerca de 10 mil quilómetros, do Mar de Barents ao Mar Negro. O trajeto atravessa vinte países. Alguns dos troços mais representativos situam-se, para além da Estónia, na Lituânia e Alemanha.

Segundo a NATO, só este ano, mais de 100 aviões militares russos foram intercetados em espaços aéreos alheios. Em Portugal, aconteceu recentemente. Na região do Báltico, há quem denuncie que o Kremlin estará a conduzir testes de capacidade militar e a experimentar a vulnerabilidade informática nesta área. Em Tallin, a capital estoniana, encontramos Kalev Vapper, um campeão mundial de vela que evoca os tempos da Cortina de Ferro.

“Antes havia bóias enormes na água, com um diâmetro de quatro ou cinco metros, que estavam ligadas por uma corrente de metal robusta. Debaixo de água, estava uma cortina anti-submarinos. Eu lembro-me quando tinha dez ou onze anos comecei a velejar em Optimist. Um dia houve uma competição. A partida era no rio. Eu fui o primeiro a chegar ao mar, mas antes fui intercetado pelos guardas que estavam na desembocadura do rio. Um deles apontou-me a metralhadora e disse-me: ‘se fores para o mar, mato-te!’”, conta Vapper.

No aeroporto de Tallin, falámos com Eerik-Niiles Kross, o antigo responsável pelo serviços secretos da Estónia, que não esconde a posição crítica relativamente aos vizinhos russos. Segundo Kross, “a Rússia está claramente a tentar restabelecer o poder imperial. É um contexto delicado. Para a Rússia, a Guerra Fria continuou, ou regressou. O Ocidente está a fazer de conta que não. Portanto, temos uma situação na qual o Ocidente não sabe como lidar com uma Rússia agressiva e imprevisível.”

A antiga prisão de Tallin encerrou inúmeros dissidentes políticos e intelectuais condenados por violar a liberdade de expressão. O pai de Eerik-Niiles Kross esteve preso aqui, antes de ser deportado para a Sibéria. Em 1989, o filho celebrou a liberdade no coração dos acontecimentos. “Foi uma coincidência. Tinha comprado um bilhete de autocarro para Berlim. Quando cheguei, o Muro caiu. Ajudei a derrubá-lo. Vi os guardas do lado ocidental a dar garrafas de champanhe através dos buracos no Muro…”, revela Kross.

Avançamos para a Lituânia, onde pedalámos ao lado da ex-ministra da Defesa. Rasa Jukneviciene foi uma das signatárias da declaração de independência deste país. Visitámos uma antiga base soviética de mísseis nucleares. Os fundos europeus ajudaram a transformar esta estrutura subterrânea num museu da Guerra Fria.

Também Jukneviciene declara que Putin quer ressuscitar a União Soviética e que a União Europeia e a NATO deviam pensar numa estratégia de contenção: “Foi mais ou menos a partir de 2008 que a Rússia começou a reconstruir, a restruturar, a modernizar as suas forças armadas em torno dos Estados bálticos, arrancando do norte até à região de Kalininegrado. São eles que têm o maior número de armas nucleares.”

Este percurso faz parte da rede Eurovelo. Apenas cerca de um terço da pista para as bicicletas está concluído. Entramos na capital alemã pela parte este e percorremos as zonas onde o Muro de Berlim ainda está de pé. Michael Cramer é um eurodeputado que esteve por detrás do projeto do percurso da Cortina de Ferro. Aliás, o conceito é uma extrapolação doutra ideia de Cramer: o percurso do Muro de Berlim.

Nesta cidade, outro ponto de encontro incontornável é a Porta de Bradenburgo. Michael Paul pertence ao grupo de reflexão SWP, onde aprofunda temas de geopolítica e segurança. Nas palavras de Paul, “a Guerra Fria acabou. Foi Putin quem o disse explicitamente há 13 anos, no Bundestag. Não vai haver uma reedição da Guerra Fria. Nós hoje fazemos face a várias formas de guerra; veja-se a Ucrânia, por exemplo. Também enfrentamos um sentimento globalizado de insegurança. Eu não acredito que Putin esteja a tentar reconstruir a União Soviética. Os seus objetivos não são imperialistas. Ao contrário da União Soviética, a Rússia de hoje já não é capaz de implementar uma visão imperialista.”

Direção: o museu Checkpoint Charlie.

Share This Video


Download

  
Report form