Fernando Henrique Cardoso era um menino de 8 anos quando chegou a São Paulo, vindo da capital e centro do poder político, Rio de Janeiro. Lá ficaram seu pai, Leonidas Cardoso, general e deputado pelo PTB com um pé em cada cidade, e toda uma história da família Cardoso de políticos e militares. Tornou-se mais que um paulista, um paulistano ao longo da sua vida de estudante, que ambicionava pouco mais do que ser professor e escrever livros. Ter uma vida intelectual apenas. Num meio, como reconhece, que respirava certo pedantismo. Quando completou 80 anos era intelectual reconhecido internacionalmente, tinha na bagagem dois mandatos presidenciais com eleições em primeiro turno, muitos livros publicados, o gerenciamento de um plano econômico que revolucionou o país e uma presença constante nas discussões do Brasil, da América Latina e do mundo.
Como diz no documentário de 55 minutos dirigido por Roberto Stefanelli, nunca pensou que seria presidente da República. Imaginou, quando menino, em ser padre. A mãe achava que poderia ser papa. Afinal, como lembra o sociólogo e professor Leôncio Martins, seu colega de faculdade e dos tempos de incertezas e fugas no regime militar, em política ele está mais para um besouro que, pelas leis físicas, não deveria voar, e voa. “Pela lógica da política populista brasileira, ele não poderia se eleger. E foi presidente da República duas vezes. E em primeiro turno”.
Como Martins, neste documentário falam os amigos de infância, como o historiador Boris Fausto e o filósofo José Arthur Gianotti, companheiros e alunos de exílio, como José Serra, colegas de constituinte e governo, como Nelson Jobim, Clovis Carvalho e Gustavo Franco. Mas sobressai o seu testemunho dos tempos em que perambulou no exílio como professor no Chile, França, Estados Unidos e a sua vida política, feita de alianças e confrontos. Todo um rico processo, termo muito a seu gosto. E no espaço de uma vida que não foi só de vitórias, mas de derrotas, como para Jânio Quadros na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em 1985.
Lembra de ex-companheiros que se distanciaram para o campo oposto ao longo do caminho, do processo, como o ex-presidente Luiz Ignácio Lula da Silva, a quem passou a faixa presidencial, o colega de colégio, Plínio de Arruda Sampaio, hoje no PSol, os antigos amigos de exílio, Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa. E os que deixaram saudades: Darcy Ribeiro, Ulysses Guimarães e Franco Montoro. E fala de um Brasil que mudou muito na sua geração. Uma geração que conviveu com os tempos de Getúlio, Juscelino, Castelo Branco, Geisel, Sarney, Itamar, dos seus dois mandatos, dos progressos e retrocessos da economia e da política. E saúda a presidente Dilma Rousseff como pessoa que sabe distinguir o que é do interesse público. “Que construir juntos não é aderir. Afinal – assinala – somos brasileiros”.